A PREMISSA DO “E SE...” E O SIMBOLISMO EM JOSÉ SARAMAGO: OS NÚMEROS, A MORTE E A COR
RESUMO: O
seguinte ensaio, desenvolvido para a finalização do conteúdo da matéria de
literatura portuguesa II, visa trazer uma pequena reflexão sobre os textos do
grandioso autor português e ganhador do prêmio Nobel de Literatura, José
Saramago. Se debruçando, principalmente, sua premissa em Ensaio sobre a cegueira, e As
intermitências da morte. E depois, uma reflexão sobre o simbolismo dos
números, a morte e a cor violeta nas obras, junto com O conto da ilha desconhecida, os quais encontramos aspectos em
comum.
Palavras-chaves: E
se... - Simbolismo – Números – Morte - Cor.
“A propósito, não
resistiremos a recordar que a morte, por si mesma, sozinha, sem qualquer ajuda
externa, sempre matou muito menos que o homem. ” (SARAMAGO, 2005, p.107) [1]
“Há quem continue
buscando um Deus porque ainda não apagamos totalmente o medo, nem eliminamos a
morte. ” (SARAMAGO, 1998. apud
AGUILERA, 2010, p. 125)[2]
1. A
premissa “e se...”
Quem se aventura nas obras de
José Saramago (1922-2010), já observou que o autor português trabalha suas
obras inúmeros elementos simbolistas, mas que são por mais místico ou ficcional
que pareça, traz a contemporaneidade e a representação da realidade. Em três
livros, o autor português aborda a grande premissa do “e se...”, sendo elas: Ensaio Sobre a Cegueira (1995), Ensaio Sobre a Lucidez (2004) e As Intermitências da Morte (2005). Obras
que fazem o leitor cair em uma distopia realista, impossível de acontecer, mas se acontecesse? Outra parte
interessante da escrita de José Saramago, são os pontos em comum que achamos em
duas obras, e que um leitor mais atento já deve ter notado nas duas obras de
mais sucesso do dramaturgo.
Ensaio
Sobre a Cegueira e As
Intermitências da Morte são as obras que a premissa do “e se...” aparecem e
as que mais se destacam nas escritas e em nas tramas de Saramago. Quanto a seus
pontos em comum, quando já realizada a leitura de uma das obras e iniciada a
leitura da outra distopia, as passagens que fazem o leitor puxar as referências
da outra.
Podemos
listar alguns: o país onde ocorre as duas manifestações das premissas, mesmo
que em um falando de um país desconhecido e outro nem falando sobre, podemos
deduzir que se trata de Portugal, o país do autor. As preocupações do governo
com os acontecimentos de cada livro variam entre a rápida ação na tentativa de
conter a propagação da “cegueira branca”, com a ação do governo de ajudar
aqueles que lucravam com a cotidiana morte e com aqueles que lucrariam com a
exportação ilegal de pessoas pela fronteira dos países vizinhos, onde ainda se
morria normalmente.
A igreja também é um fator
importante, nas duas obras, a igreja é retratada como um grupo de pessoas, que
pelos fatídicos acontecimentos teve sua função questionada. Sem enxergar ou sem
morrer, como poderá a igreja cumprir seu papel de defesa que Deus cura e que há
ressureição?
[...]
É a todos os respeitos deplorável que, ao redigir a declaração que acabei de
escutar, o senhor primeiro-ministro não se tenha lembrado daquilo que constitui
o alicerce, a viga mestra, a pedra angular, a chave de abóbada da nossa santa
religião, Eminência, perdoe-me, temo não compreender aonde quer chegar. Sem morte,
ouça-me bem, senhor primeiro-ministro, sem morte não há ressurreição, e sem
ressurreição não há igreja, O diabo, Não percebi o que acaba de dizer, repita,
por favor. Estava calado, eminência, provavelmente terá sido alguma
interferência causada pela electricidade atmosférica, pela estática, ou mesmo
um problema de cobertura, o satélite às vezes falha, dizia vossa eminência que,
Dizia o que qualquer católico, e o senhor não é uma excepção, tem obrigação de
saber, que sem ressurreição não há igreja, além disso, como lhe veio à cabeça
que deus poderá querer o seu próprio fim, afirmá-lo é uma ideia absolutamente
sacrílega, talvez a pior das blasfémias [...] (SARAMAGO, 2005 p. 18)
O ser humano é retratado nas
duas obras como o ser que de suas condutas civilizadas se transforma em um
selvagem e sem o sentimento da humanidade, quando em o Ensaio sobre a cegueira se apresenta como lutando por sua
sobrevivência, vivendo em um lugar imundo, brigando, matando e lutando entre si
para poder dominar a comida e uma cama para passar a noite. Em As intermitências da morte, o ser humano
é culpado de falta de humanidade. Moribundos que ficam em suas casas e em suas
camas esperando uma morte que não chega, apenas chega quando seus familiares
pagam a máphia que levem esses doentes terminais para o outro lado da
fronteira, para que enfim a morte os leve.
2. Os símbolos
2.1. O número sete
Mas talvez o mais importante
dos núcleos e que se repetem nas duas obras, é o número sete. Segundo Chevalier
e Gheerbrant (2009), “[...] o número sete, pela transformação que inaugura,
possui em si mesmo um poder, é um
número mágico” (p. 828). Portanto, os elementos que fazem do número sete
poderoso foi notado por José Saramago e usado por ele para explorar toda a
grandeza do símbolo.
Olhando, por exemplo, para Ensaio sobre a cegueira, percebemos que
os que saem em grupo liderado pela mulher do médico, ao todo, são sete pessoas.
Temos também a questão das sete cores do arco-íris, que sendo representado por
um personagem, sendo a mulher do médico a sétima cor, a cor branca, por ser a
fusão de todas as cores, sintetizando toda a magia do número sete como a junção
das totalidades teologais (fé, esperança e a caridade) com as quatro virtudes
cardeais (prudência, temperança, a justiça e a força), todas essas achadas na
mulher do médico.
Nas intermitências, o número
está ligado a quantos meses a morte suspendeu a Morte do ser humano, pois
segundo a teoria filosófica, descrita pelo espírito do aquário em uma suposta
conversa com o aprendiz de filósofo, apenas os humanos pararam de morrer,
bastava olhar as plantas, animais e tudo ao entorno, para perceber que cada um
tem a seu “ser” denominado morte.
2.2. O número três
No número três também existe grande
fonte de simbolismo, sendo o número fundamental universalmente, é a
representação de uma ordem intelectual e espiritual, entre Deus, o cosmo e o
homem (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2009, p. 899), lembrando a versão cristã da
santíssima Trindade.
Temos n’O Conto da Ilha desconhecida (1997), o número três como número
regente. São três dias que o homem que queria um barco ficou ali a esperar pelo
rei, são três as perguntas que o rei faz ao homem, quando o primeiro finalmente
saí da porta dos obséquios para a porta das petições.
[...]
Calculara ele, e acertara na previsão, que o rei, mesmo que demorasse três
dias, haveria de sentir-se curioso de ver a cara de quem, sem mais nem menos,
com notável atrevimento, o mandar chamar. repartido pois entre a curiosidade
que não pudera reprimir e o desagrado de ver tanta gente junta, o rei, com o pior
dos modos, perguntou três perguntas seguidas, Que é que queres, Por que foi que
não disseste logo o que querias [...] (SARAMAGO, 1997, p.15)
Ademais, a caravela escolhida
pela mulher da limpeza, tinha três velas triangulares, que para se constituir,
necessita de três arestas e três vértices, abrangendo o simbolismo do número
três. Se considerarmos essas três velas, como sendo equiláteras, ela
simbolizaria a divindade, a harmonia e a proporção, também lembrando que o
triângulo com a ponta para cima simboliza o fogo e o sexo masculino, e com a
ponta para baixo, a água e o sexo feminino, e o símbolo da virilidade
fecundadora (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2009, p.899-904). Olhando para o conto,
temos o homem do barco e a mulher da limpeza, como representação dos dois
sexos.
N’As Intermitências da morte, são três as instituições que, de alguma
forma lucram com a interrupção da Morte: a igreja, o governo e a máphia. As
três formam uma simbologia do número três, formando as organizações que estão
no foco da população que de um estado de felicidade por não morrer mais à volta
da morte.
Lembremos também que o horário
em que a morte eleva-se de sua sala subterrânea para a casa do violoncelista é
às três horas da manhã, o horário considerado pelo cristianismo como o horário
do Demônio, sendo exatamente e supostamente, doze horas depois da crucificação
de Cristo. Deste modo, é o horário em que a morte saí de sua sala subterrânea
para ir na casa do violoncelista, que por ocasião se recusa a morrer.
2.3. A morte
A morte por si só também
carrega um misticismo e uma grande carga de simbolismo, primeiramente, no
livro, ela é retratada como alguém que rouba e leva as pessoas para o céu,
purgatório ou inferno. Mas ao voltar, ela é tratada como cruel por anunciar a
morte das pessoas com um aviso em uma carta violeta. E por final, ela se torna
um ser humano, uma mulher sedutora de uns trinta e seis ou trinta e sete anos,
e que se apaixona pelo violoncelista.
Encontramos, neste ponto uma
ligação entre a morte, a cor violeta e a carta número treze do baralho de tarô.
“O simbolismo geral da morte aparece do mesmo modo no arcano maior número treze
do tarot, que não tem nome, como se o seu número tivesse por si só um sentido
suficiente [...]” (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2009, p. 822), um pouco contraditório
da descrição do simbolismo da cor violeta, que a carta XIII representa a
temperança, uma das quatro virtudes cardeais, que junto as totalidades
teologais formam o número sete.
2.4. O número treze
Por
seus limites estáticos (o decenário estático) e dinâmicos (o ternário ativo), o
13 determina uma evolução fatal em
direção à morte, em direção à consumação de um poder, visto que esse é
limitado: esforço periodicamente interrompido. De
uma forma geral; o 13, como elemento excêntrico, marginal, errático, foge à
ordem e aos ritmos normais do universo. (CHEVALIER, GHEERBRANT, 2009, p. 903)
O
número treze é considerado o número do azar, se por um acaso temos uma
sexta-feira treze, aí que a data é encarada como um dia inteiro, vinte e quatro
horas de azar. Uma ideia difundida por diversas culturas antes mesmo de Cristo,
e por outras culturas é difundida como um número da sorte. Para os egípcios, a vida era composta por 12
diferentes estágios para que o ser humano alcance o 13º, que era a vida eterna.
No
cristianismo, a sexta-feira treze é uma lembrança de alguns acontecimentos
marcantes: primeiramente, na santa ceia são retratadas trezes pessoas, Jesus, e
mais seus doze discípulos e, que a sexta-feira que, Jesus supostamente fora
crucificado, fosse uma sexta-feira treze. Supõem-se que seja um mito, pois
seguindo o calendário hebraico, Jesus morreu no dia 14 do mês de Nissan, dia
primeiro de abril, dia da Páscoa no calendário judaico.
Outro
evento que ajudou a difundir a temível sexta-feira treze, foi o decreto de
Felipe IV da França, que tornou a Ordem dos Templários ilegal, sendo o dia 13
de outubro 1307, uma sexta-feira, o dia de prisões em massa, mais tarde
julgados por crimes de heresias, blasfêmias, obscenidades e práticas
homossexuais.
Em
algumas cidades e vilas de Portugal se comemoram as sextas-feiras treze. Nesses
lugares, há grandes festas, com bruxas, bruxos, feitiços, teatros e as famosas
queimadas, a maior delas acontece no castelo de Montalegre. Em algumas vilas,
como a de Vinhais, as pessoas se reúnem em volta de uma grande fogueira e no
banquete se oferecem produtos locais.
2.5. A cor violeta
O
simbolismo da cor violeta é, como já dito, a carta número treze do tarot a
temperança, que é feita de uma “[...] proporção de vermelho e do azul, de
lucidez e de ação refletida, de equilíbrio entre a terra e o céu, os sentidos e
o espírito, a paixão e a inteligência, o amor e a sabedoria ” (CHEVALIER;
GHEERBRANT, 2009. p. 960).
Mas sendo divergente do
simbolismo da morte, mas que tem seu ponto em comum quando se entende que o
arcano XIII representa o eterno jogo das energias da matéria, representa o
eterno reinício (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2009, p. 960). Talvez por isso, a cor é
ligada ao mistério da reencarnação e ressureição, e, sendo a cor que Jesus
Cristo é representado, na Idade Média, vestindo uma túnica violeta durante a
paixão. Uma tradição que segue até hoje dentro da igreja, que padres utilizam a
cor durante as celebrações que compõem o período.
3.
Conclusão
Portanto, os números, a cor
violeta e a morte, fazem de As Intermitências da Morte um livro rico em símbolos, referências, alusões e um
grande conhecimento por parte do ganhador do prêmio Nobel de Literatura, José Saramago,
fazendo com quem o lê, busque, corra atrás dos significados por trás de suas
palavras e suas pequenas lembranças dos outros livros com um dicionário de
símbolos ao lado, durante a leitura.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain et al. Dicionário de símbolos. 23ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009. 996 p.
O POVO online. De onde surgiu a superstição da sexta-feira 13 e como a cultura pop a consolidou. Disponível em: https://www.opovo.com.br/noticias/curiosidades/2018/04/entenda-de-onde-vem-a-supersticao-da-sexta-feira-13.html. Acesso em: 30/10/2018.
SARMAGO. José. As intermitências da morte. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, 207 p.
______________. Ensaio sobre a cegueira. 6ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, 312 p.
______________. O conto da ilha desconhecida. 2ª ed. São Paulo Companhia das Letras, 1998, 64 p.
[1] Ver referência bibliográfica
[2] AGUILERA, Fernando Gómez (org.). As palavras de Saramago. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010. 480 p.
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